Waldemiro não era de muita conversa. Em um dia qualquer se muniu de um pacote de pregos e começou a martelar na parede de madeira da sala, contígua à casa do velho Kelé. Aquela parede havia sido motivo de discórdia com Edelzuita. Ele desconfiava que Kelé ouvia as conversas através dela e fazia intrigas.
No alto da experiência dos 15 anos, olhei curioso para aquela malha de pregos na parede.
No dia seguinte, ele preparou a massa e chapiscou tudo. Aonde ele quer chegar? pensei desconfiado.
Finalmente, rebocou a parede e pintou de branco.
Sorrimos, eu e Rigel.
Morro da Providência (1973)
Becos, escadas, calçadas e janelas; ao fundo a cidade.
Próximo a Cinelândia, a reconhecida ágora carioca, e vizinho do antigo Calabouço, palco de manifestações contra a ditadura militar e onde foi assassinado o estudante Edson Luiz, surge o Museu da Democracia, memorial aos mortos e desaparecidos vítimas das ditaduras. Nasce com o improvável desafio arquitetônico de dialogar com o MAM, obra prima de Affonso Eduardo Reidy, e com a paisagem da Baia de Guanabara.
Um museu histórico carrega a sina de nunca terminar a sua tarefa; da mesma forma um museu para a Democracia contará a história de uma obra em construção, entretanto nele é possível fazer a história. A idéia de Democracia começou na Grécia antiga, porém a universalidade do seu valor ainda é conquista diária e requer muita luta e prática permanente. Nada melhor que o seu próprio Museu para exercitá-la.
No conflituoso caminho para a Democracia o debate de idéias e a participação popular são dois pilares importantes e foi pensando neles que começamos. Duas ágoras formam a base e o lugar privilegiado do Museu. Ali, protegido do sol e da chuva, acontece a ebulição de um museu aberto, com debates públicos e a possibilidade de múltiplos usos. Dividindo-as dois robustos pilares atravessam a estrutura principal e abrigam os átrios, elementos fundamentais para a recepção e orientação dos visitantes.
Esta idéia de uma estrutura atravessando a outra é a síntese do projeto. São módulos autônomos, porém interdependentes. O museu, o memorial , o pavilhão administrativo e as ágoras têm acessos exclusivos que se intercomunicam.
O eixo na diagonal do terreno demarca a horizontalidade da estrutura, contrariada na extremidade com o memorial. Nele o conjunto perde a escala humana e se agiganta para receber o auditório, as salas de conferências e a biblioteca, cujo mezanino funciona como mirante para a Baia.
O arco escultural e estrutural, que também atravessa o edifício, desarmonizando o conjunto e definindo o caminho principal, é o convite à entrada. Pleno de simbologias, o arco aqui pode representar a liberdade.
A seção transversal que percorre o eixo longitudinal e conforma a caixa do museu e do memorial não distingue com exatidão os pisos, as paredes e os tetos. O ângulo de inclinação que aparece nas diversas estruturas auxilia a incorporação do personagem principal dessa história na cena arquitetônica. Janelas com vidros espelhados refletem os visitantes no exterior e no interior da edificação.
Enfim, um Museu para a Democracia presente nas lutas necessárias para a sua afirmação.
Localização e integração com a cidade
Ágoras Vladimir Herzog e Sobral Pinto
Átrios e Pavilhão Manoel Fiel Filho
Galeria de Exposições Temporárias e Salão João Cândido
Galeria de Exposições Temporárias e Salão Guimarães Rosa